Talvez neste contexto importe reflectir um pouco sobre o que é ao certo a interacção humano - computador. Segundo Hewett, Baecker, Card, Carey, Gasen, Mantei, Perlman, Strong e Verplank,
Estes autores apontam ainda como condicionante da interacção homem-computador a constante evolução da tecnologia disponível para sustentar essa interacção, o que também me pareceu um aspecto fulcral, apesar de, a meu ver, estarmos hoje perante um contexto tecnológico já capaz de assegurar e sustentar formas de interacção inovadoras entre o agente humano e o computador, se houver algum esforço, imaginação e criatividade. Por exemplo, o desenvolvimento do rato foi um passo importante para tornar mais familiar a interacção entre humano e computador. Com o rato, o agente humano passou a ser capaz de fazer o computador responder a estímulos originados pelas suas acções motoras, por assim dizer. No entanto, o ser humano continuou dependente de uma ferramenta de mediação entre si e o computador. Sendo assim, o grau de familiarização conseguiria ir muito mais longe se o próprio corpo humano pudesse ser utilizado como instrumento de input, sem necessidade de ferramentas intermediárias como o rato, por exemplo.
Neste contexto, evidencia-se uma necessidade crescente de pensar a interface de maneiras diferentes, inovadoras e talvez até ambiciosas, numa tentativa de tornar mais natural a interacção com o meio computacional, ou até de a reinventar.
Se trabalharmos nesse sentido, poderemos estar a abrir as portas para a criação de um meta - meio computacional, sugerido no artigo Criatura Digital – Redimensão do Lugar Cénico de Bruno Giesteira e João Mota, que se traduziria num espaço em que a representação ou experiência de interacção com o computador é experimentada como real, graças ao facto do público/ utilizador conquistar relevo como agente activo que tece uma identidade, uma afectividade e simbolismo relativamente ao Lugar Cénico ou interface.
Assim mais uma vez se remete para a visão de Brenda Laurel da relação humano – computador explorada no artigo anterior, que faz uma analogia entre o mundo computacional e o universo do teatro. De facto, tal como no teatro, as linguagens de mediação têm como objectivo último o despoletar das acções. Deste modo, se o utilizador / público estiver perante um interface / lugar como espaço de afectividade e simbolismo, atribuir-lhe-á significação e será “sugado” para um estado de imersividade que o chama à acção. Ou seja, o utilizador sentir-se-á ligado de forma mais profunda à própria interface, como se a interface se tornasse o seu meio envolvente à semelhança do mundo real, e será capaz de interagir com ela como interage com qualquer objecto do mundo físico e real.
Dois dos trabalhos de Andreia Menezes que nos foram apresentados, o espectáculo SWAP e um trabalho académico anterior de cariz igualmente performativo e experimental, sugerem também essa urgência de pensar a interface como uma extensão do ser humano e do seu meio envolvente, por forma a dinamizar e permitir uma interacção mais natural e fluida do que aquilo que tem vindo a ser feito até hoje, sem qualquer tipo de barreiras impostas entre o homem e o meio.
Algo que se destaca nestes trabalhos sem margem para dúvidas é o facto do próprio corpo do agente humano funcionar como input no sistema computacional. Ora, este facto torna a linguagem de mediação muito menos artificial. De facto, o agente humano conhece o seu corpo, apesar de não conhecer os processos de comunicação que se processam no interior do computador. Ao conhecer perfeitamente o seu corpo, utilizá-lo como input num sistema computacional torna a relação de interacção muito mais familiar ao agente humano, facilitando a capacidade de alcançar uma sensação de imersividade em que acaba por não haver fronteiras directas entre o meta-meio computacional e o mundo real, o que resulta na fusão destes dois mundos aquando da interacção.
Interpretando a primeira parte do esquema muito resumidamente, podemos ver que o uso e o contexto de utilização dos computadores, assim como a medida em que a interface se adequa a eles terá um impacto profundo em cada parte da interface e no seu sucesso. Do mesmo modo, o contexto social e de trabalho é igualmente importante neste sentido. Para além de requisitos técnicos, a interface deverá ter em consideração a satisfação de objectivos relacionados com qualidade de vida no trabalho ou até mesmo constrangimentos legais de uma unidade de trabalho.
Ora, isto remete-nos para a necessidade de não se pensar no design de interacção como algo estanque e radical, porque poderá haver situações em que a importância de aspectos como usabilidade, acessibilidade e eficiência se poderá sobrepor à necessidade de explorar o campo performativo e experimental do design.
No percurso profissional de Andreia Menezes evidenciou-se exactamente essa dicotomia de perspectivas possíveis de encarar o design de interfaces. Por um lado, como já foi referido, a designer explorou um design de interfaces mais direccionado para o campo performativo com alguns trabalhos académicos como o “atmosferas” e posteriormente o espectáculo SWAP, em que a componente emotiva assume especial destaque na medida em que se trata de um universo em que o que importa é explorar um foro experimental, exploratório e artístico em que a interface acaba por ser uma extensão do Homem no processo criativo e em que o digital acaba por ser construído a partir do homem numa cadência de acção / reacção. Por outro lado, mais tarde na sua vida profissional, Andreia Menezes deparou-se com a necessidade de explorar o design no extremo oposto à experiência académica que obteve com os trabalhos acima referidos.
De facto, quando começou a desenvolver o projecto em que está envolvida actualmente, uma aplicação de alto-risco , a designer deparou-se com exigências relacionadas com aspectos de usabilidade, acessibilidade e efectividade / eficiência no uso do produto em desenvolvimento, e com a necessidade de pôr de lado o foro performativo e altamente experimental dos seus primeiros trabalhos. De facto, o sistema que está a desenvolver, como sistema que visa suportar informação clínica de alto-risco utilizado em unidades hospitalares, enquadra-se obviamente num plano oposto aos sistemas anteriormente desenvolvidos ou acompanhados pela designer. Neste sistema importa garantir a eficiência e diminuir ao máximo os riscos de falhas, como acontece em qualquer produto relacionado com a área da saúde. Aqui interessa ter em conta aspectos como a rapidez de interacção com a interface, porque disso pode depender a vida de um ser humano, e acima de tudo interessa a prevenção de erros. Logo, uma abordagem mais performativa ou experimental para o design da interface de um sistema como este seria completamente inadequada. Assim, enquadram-se aqui muito melhor as directivas de usabilidade propostas por autores como Bruce Tognazzini, Darryn Lavery, Jacob Nielsen ou até Donald Norman. Estes dois últimos autores chegaram mesmo a defender a usabilidade acima de tudo, mesmo que para isso que para isso se tenha que sacrificar a aparência do produto, apesar de Donald Norman, na sua obra “Emotional Design: why we hate or love everyday things” começar a reconhecer a importância da componente emotiva do design na interacção entre ser humano e computador, que está muito mais relacionada com a primeira perspectiva do design abordada por Andreia Menezes nos seus trabalhos académicos e posteriormente no espectáculo SWAP.
Como Norman explica nessa obra, um objecto tem dimensões que vão além da sua função e da sua utilização. Essa dimensão está relacionada com o utilizador, o seu feitio, o seu humor, o seu contexto situacional e a sua simpatia pelo objecto. Partindo deste principio, Norman chega mesmo a argumentar que o lado emocional do design pode ser mais crítico para o sucesso de um produto do que os seus elementos práticos, uma vez que as pessoas criam laços emotivos com os objectos, e estes deixam de ser simples objectos para passarem a ser muito mais do que isso e ganharem até uma significação própria.
Ora, essa significação acaba por ser a chave para conseguir alcançar uma certa imersividade do público / utilizador com a cena / interface, voltando a referir a visão de Brenda Laurel que faz uma analogia entre o meio computacional e o mundo do teatro. Com efeito, o facto do público passar a participar na cena ou no produto como agente activo permite-lhe viver a acção, e isso acaba por criar ligações entre público/utilizador e a cena/produto que enriquecerá a afectividade e simbolismo que o utilizador atribuirá ao lugar/ cena, resultando numa linguagem de mediação totalmente diferente (e sem dúvida mais rica) do que seria se não houvesse esta relacção em termos de emotividade. Ao mesmo tempo, se a forma de interagir com o produto / sistema computacional for o mais natural possível para o agente humano, como fazendo uso do próprio corpo como ferramenta de input no sistema, sem ter, deste modo, necessidade de recorrer a ferramentas estranhas ao seu universo físico e real, essa relação e simbolismo atribuído ao produto situar-se-á num plano pautado por uma maior proximidade com o utilizador.
Ora, tudo isto remete-nos de novo para a ideia de que o design não pode ser encarado de forma estanque, e que não podemos ser radicais ao ponto de assumir que um dos caminhos acima descritos é o mais acertado. De facto, no meu ponto de vista, as duas perspectivas do design podem e devem ser complementares, de forma a permitir a criação de interfaces muito mais ricos e cada vez mais adequados às diversas finalidades a que se destinam.
Julgo até que a ideia chave de tudo isto se resume ao seguinte:
Importa encarar o design de interfaces a partir de novas perspectivas. Apesar da extrema importância de directivas de usabilidade apontadas por autores como Bruce Tognazzini, Darryn Lavery, Jacob Nielsen e Donald Norman, evidencia-se igualmente uma necessidade de não reduzirmos o design de interfaces a conceitos de usabilidade e saber aproveitar os avanços no âmbito do design emotivo trazidos por autores como Brenda Laurel e Donald Norman, por exemplo.
Importa sobretudo perscrutar novos caminhos, que levem à criação de interfaces que potenciem verdadeiramente o envolvimento do ser humano no ambiente computacional, diluindo as barreiras físicas (como os instrumentos de input, como rato ou teclado) que se interpõem entre o conjunto Homem / meio real e o meio computacional.
Alguns links interessantes:
- www.humantechnology.jyu.fi
- http://hfetag.dtic.mil/docs/pocket_guide.doc
- http://hf.tc.faa.gov/hfds/default.htm
- www.techneplatform.org/actividades1.htm