Thursday, April 27, 2006

O teatro como Fundação para o pensamento e concepção de linguagens de Mediação - Acção e Significação (versão 1.5)

Com base na obra A Poética de Aristóteles, Brenda Laurel introduziu uma nova visão da relação homem-computador, fazendo uma analogia entre o mundo computacional e o universo do teatro. Esta é uma visão que acaba por dar o mote para estudos sobre linguagens de mediação da interacção homem-computador, como é o caso do artigo “Criatura Digital – Redimensão do Lugar Cénico”, de Bruno Giesteira e João Mota. Neste artigo, acaba por ser apontado como caminho uma busca pela imersividade do público como nova forma de pensar e comunicar com o público.
De facto, a meu ver, a imersão do público/utilizador no próprio sistema acaba por ser uma boa estratégia para aumentar o grau de emotividade sentido durante a interacção. Com efeito, ao participar como agente activo da cena / interface, o utilizador sentir-se-á muito mais ligado ao sistema, sentindo-o um pouco como obra sua, o que resultará numa ligação emotiva entre interface / utilizador mais forte e consolidada.
Como Donald Norman explica na sua obra Emotional Design: Why We Love or Hate Everyday Things, um objecto tem dimensões que vão além da sua função e da sua utilização, dimensão essa que se relaciona com o utilizador, o seu feitio, o seu humor, o seu contexto situacional e a sua simpatia pelo objecto. Norman argumenta até que o lado emocional do design pode ser mais crítico para o sucesso de um produto do que os seus elementos práticos. Evidencia que as pessoas criam laços emotivos com os objectos, e estes deixam de ser simples objectos para passarem a ser muito mais do que isso e ganharem até uma significação própria.
Ora, essa significação acaba por ser a chave para conseguir alcançar uma certa imersividade do público / utilizador com a cena / interface. De facto, o facto do público passar a participar na cena ou no produto como agente activo permite-lhe viver a acção, e isso acaba por criar ligações entre público/utilizador e a cena/produto que enriquecerá a afectividade e simbolismo que o utilizador atribuirá ao lugar/ cena, resultando numa linguagem de mediação totalmente diferente (e sem dúvida mais rica) do que seria se não houvesse esta relacção em termos de emotividade.
Segue-se assim rumo à direcção de um meta-meio computacional, em que “a contemporaneidade da obra de arte, definindo-se pela conquista da Ideia, é reflexo da cultura e acontecimentos da sociedade, e da experiência sensorial, emotiva e intelectual do público, exigindo uma maior versatilidade de meios para transmitir o Conceito. A representação é experimentada como real.” (Criatura Digital – Redimensão do Lugar Cénico) Desta forma, o público conquista relevo como agente activo que tece uma identidade, uma afectividade e simbolismo relativamente ao Lugar Cénico, que passa, deste modo, a ser encarado como algo para além de um espaço, para se tornar local de acção e significação, de referência afectiva e partilha de sentimentos. Deste modo, assiste-se a uma tentativa de dissolver as fronteiras entre a cena e a vida real.
Ora, essa tentativa tem vindo a ser transportada também para o mundo computacional. De facto, é cada vez mais frequente a tentativa de imergir o público na acção, que se revelou como objectivo de muitos autores como Stanislavski, Wagner, Artaud, Meyerhold, Brecht e muitos outros. Assim, a visão de interface como ferramenta simplesmente cognitiva eu lugar à tentativa de elaboração de interfaces multisensoriais e de linguagens de mediação naturais para um contacto multisensorial e imersivo com a informação. Esta seria (ou será) uma forma de tornar o acto de interagir mais natural e espontâneo, tal como a conversação, promovendo deste modo a imersão do agente humano através de uma maior proximidade sensorial e emotiva com o sistema.
Contudo, este meta-meio computacional exige novas linguagens de mediação.

Não é de estranhar que Brenda Laurel tenha feito uma analogia entre o mundo computacional e o universo do teatro, tendo em conta o seu background relacionado com o mundo teatral e tendo em conta que, a seu ver, o design de interfaces acaba por ser também uma forma de arte:
“(…)interface design requires imaginative and creative solutions that cannot be inspired by science alone. Metaphors, games, rich sensory environments, virtual realities, illusion? Such is the stuff that art is made of.”
Assim, Laurel aponta o teatro como sistema de mediação, “onde a acção é confinada ao mundo da representação, situando todos os agentes - humanos, virtuais, evocativos e performativos - no mesmo contexto” (Criatura Digital – Redimensão do Lugar Cénico, Bruno Giesteira e João Mota). Desta forma, a proximidade do público/utilizador com as acções executadas permite alcançar novos níveis de experiência emotiva e sensorial, em que há uma maior proximidade entre o utilizador e o sistema.
Deste modo, segundo Laurel, a liberdade e proximidade do participante ficam ambas condicionadas por várias variáveis do sistema de mediação, como a Frequência (nº de vezes que um participante pode intervir numa acção), o Alcance (nº de opções disponíveis), o Significado (repercussão das opções do utilizador no decorrer das acções), os inputs cinestésicos (que definem o nível de imersividade do participante e consequente proximidade entre as acções desempenhadas) e os outputs visuais (resultados dos inputs).
Estas variáveis acabam por condicionar a liberdade e proximidade do participante na medida em que estabelecem o modo de funcionamento do sistema (barreiras, linguagem de interacção com o utilizador, etc).
Brenda Laurel explica também a forma como os seis elementos qualitativos do drama – Acção, Personagens, Pensamento, Linguagem, Padrão e Espectáculo – apontados por Aristóteles em A Poética se adaptam ao universo computacional.
Como é explicado no artigo “Criatura Digital – Redimensão do Lugar Cénico”, de Bruno Giesteira e João Mota, o elemento “Acção” é o objectivo máximo das linguagens de mediação. É a Causa Formal de todos os elementos qualitativos da representação e dita uma Linha de Comportamento que incita o participante a formular um objectivo, tendo em conta “affordances na personagem” (forma como cada um interage com as possibilidades e restrições do sistema e a decisão tomada pelo participante) – Pensamento (elemento relacionado com a cognição, emoção, razão e causa formal do elemento Linguagem, padrão e Espectáculo), e a representar uma acção através de determinados meios – Linguagem.
No entanto, no universo computacional, assim como no teatro, não há acção sem personagem, que é nada mais que o elemento responsável pelo desencadear de acções. No entanto, quando um utilizador interage com um sistema passando a ser um personagem, passa a adquirir uma espécie de personalidade ditada pelas restrições e predisposições do sistema através de Internal traits e External Traits, que definem a nível estrutural do sistema e a nível cognitivo respectivamente o que o participante pode ou não fazer. Ou seja, quando um utilizador interage com um sistema, deixa de ser ele próprio para passar a ser o personagem que o sistema lhe permite ser.
Neste sentido, Brenda Laurel teve influências de Stanislavski ao entender o participante como um potencial personagem, que teria então necessidade de encontrar um compromisso entre os Motores da Vida Psíquica (idiossincrasias do agente humano) e uma Linha de Comportamento (constituída pelo conjunto de restrições e induções do meio tecnológico) sugeridos por Stanislavski. Ora, este compromisso desencadeia um Estado Criador no agente humano que o orienta rumo ao Super Objectivo, que não é mais que o objectivo principal da interacção.
Efectivamente, o contributo de Stanislavski foi muito importante para o mundo representativo, o que acabou também por se transpor para o mundo computacional com o estudo de Brenda Laurel. Em 1898, Stanislavski foi fundador do Teatro de Arte de Moscovo (MKhAT) juntamente com Vladimir Nemirovich-Danchenko, local onde começou a desenvolver o seu tão famoso Método, com base na tradição realista de Aleksandr Pushkin. O seu método consistia no trabalho do actor para o desenvolvimento de personagens e cenários realistas. Para tal, os actores deveriam recorrer à sua Memória Afectiva, pensando em algum momento das suas vidas em que tivessem sentido as emoções que a personagem sentiria numa determinada situação e reproduzir essas emoções para alcançar uma performance mais realista e não tão teatral, como a defendida por Meyerhold, que priveligiava o lado performativo e biomecânico da arte de representar. Assim, recorrendo à sua Memória afectiva, os actores seriam capazes de retratar de forma mais natural, realista e genuína as emoções e sentimentos do personagem que representam. Ao pôr em prática o Método, o actor tem que fazer uma análise aprofundada das motivações do seu personagem, desvendando qual o seu Objectivo em cada cena, e qual o Super Objectivo do personagem ao longo de toda a peça.
Para ajudar os actores a decifrar esses objectivos e Super Objectivo, Stanislavski sugeriu uma maneira de o fazer, através do factor “se”, que consiste na atitude dos actores se colocarem na pele do seu personagem, fazendo perguntas a si mesmo do género “Como é que eu reagiria se estivesse na mesma situação que o meu personagem?”
Para o cumprimento do seu Método, Stanislavski apontou então dois conjuntos de leis:
› Leis simples, compostas por actividade, imaginação, concentração, descontracção, Sequencias e objectivos, Fé e Sentido da Verdade;
› Leis Complexas, compostas por Memória Afectiva, Contacto e Adaptação.
Ora, evidencia-se a importância do contributo de Stanislavski para a compreensão dos processos de escolha do participante. De facto, como Bruno Giesteira e João Mota apontam no seu artigo, “o agente humano entende a estrutura do sistema e é guiado através dele por uma série de sequências que o obrigam a perguntar-se, em cada uma delas, o que vai fazer”, definindo assim o seu Objectivo.” Por sua vez, adaptado à Linha de comportamento do Sistema - que deverá ser verosímil e ao mesmo tempo capaz de estimular a criatividade e o lado emotivo do agente humano - cada objectivo desencadeia uma acção, e o conjunto das respostas a todas as sequências conduz ao Objectivo Principal.

O sistema deverá ainda gerar situações em que a Memória Afectiva do agente humano seja requisitada, levando o utilizador a sentir emoções já experimentadas no passado, dando lugar a sensações de ilusão que se aproxima fortemente da realidade e resultando assim na imersão do participante.

Por sua vez, o Factor “se” estimula a criatividade no agente humano, reflectindo Imaginação e resultando em Actividade , pelo que se poderá concluir que este factor é instituído no sistema como maneira de induzir acções.

Por tudo isto, evidencia-se que Stanislavski reforça o lado dramático / emotivo em detrimento da faceta operativa, através da introdução de factores emotivos e psicológicos, reflectindo-se assim a sua faceta de percursor do teatro naturalista. Assim, a perspectiva de Stanislavski prende-se muito mais com os elementos “personagem” e “pensamento” adaptados por Brenda Laurel da obra de Aristóteles, ao contrário da perspectiva de Meyerhold, que dá primazia ao lado performativo da acção, estando muito mais relacionado com os elementos qualitativos da acção “Linguagem” e “Padrão”.

De facto, estes dois elementos estão muito relacionados com o modus operandi da acção. Se não vejamos: por um lado o elemento Linguagem relaciona-se com os mecanismos físicos utilizados para despoletar determinada acção; por sua vez, o elemento Padrão diz respeito ao lado sensorial da acção, ao feedback dado pelo sistema para materializar o elemento Linguagem através de sons, imagens ou movimento.
Por tudo isto, evidencia-se que as linguagens de mediação podem aprender muito com a linguagem teatral. De facto, tal como no teatro, as linguagens de mediação têm como objectivo último o despoletar das acções. Deste modo, se o utilizador / público estiver perante um interface / lugar como espaço de afectividade e simbolismo, atribuir-lhe-á significação e será “sugado” para um estado de imersividade que o chama à acção.

Monday, April 24, 2006

O teatro como Fundação para o pensamento e concepção de linguagens de Mediação - Acção e Significação (versão 01)

Com base na obra A Poética de Aristóteles, Brenda Laurel introduziu uma nova visão da relação homem-computador, fazendo uma analogia entre o mundo computacional e o universo do teatro. Esta é uma visão que acaba por dar o mote para estudos sobre linguagens de mediação da interacção homem-computador, como é o caso do artigo “Criatura Digital – Redimensão do Lugar Cénico”, de Bruno Giesteira e João Mota. Neste artigo, acaba por ser apontado como caminho uma busca pela imersividade do público como nova forma de pensar e comunicar com o público.
De facto, a imersão do público no próprio sistema acaba por ser uma boa estratégia para aumentar o grau de emotividade sentido durante a interacção. Com efeito, ao participar como agente activo da cena / interface, o utilizador sentir-se-à muito mais ligado ao sistema, sentindo-o um pouco como obra sua, o que resultará numa ligação emotiva entre interface / utilizador.
Como Donald Norman explica na sua obra Emotional Design: Why We Love or Hate Everyday Things, um objecto tem dimensões que vão além da sua função e da sua utilização, dimensão essa que se relaciona com o utilizador, o seu feitio, o seu humor, o seu contexto situacional e a sua simpatia pelo objecto. Norman argumenta até que o lado emocional do design pode ser mais crítico para o sucesso de um produto do que os seus elementos práticos. Evidencia que as pessoas criam laços emotivos com os objectos, e estes deixam de ser simples objectos para passarem a ser muito mais do que isso e ganharem até uma significação própria.
Ora, essa significação acaba por ser a chave para conseguir alcançar uma certa imersividade do público / utilizador com a cena / interface. De facto, o facto do público passar a participar na cena ou no produto como agente activo permite-lhe sentir-se como se estivesse a participar na acção ou como se estivesse a viver a acção, e isso acaba por criar ligações entre público/utilizador e a cena/produto que enriquecerá a afectividade e simbolismo que o utilizador atribuirá ao lugar/ cena, resultando numa linguagem de mediação totalmente diferente (e sem dúvida mais rica) do que seria se não houvesse esta relacção em termos de emotividade.Assim, evidencia-se que as linguagens de mediação podem aprender muito com a linguagem teatral. De facto, tal como no teatro, as linguagens de mediação têm como objectivo último o despoletar das acções. Deste modo, se o utilizador / público estiver perante um interface / lugar como espaço de afectividade e simbolismo, atribuir-lhe-à significação e será “sugado” para um estado de imersividade que o chama à acção.

Tuesday, April 18, 2006

O Design Emotivo na perspectiva de Donald Norman – Emotional Design: Why We Love or Hate Everyday Things

Emotional Design: Why We Love or Hate Everyday Things é uma das primeiras obras dedicadas a um trabalho de reflexão sobre a ligação entre a emoção e a forma como nos relacionamos com os objectos, sejam eles simples bules ou carros de luxo.

Para compreender a importância e alcance desta obra de Donald Norman, será importante fazer uma breve retrospectiva pelo percurso deste autor, também para perceber a quantidade de caminhos pelos quais o design pode enveredar.

Donald Norman é um dos percursores da área da psicologia cognitiva. É actualmente reconhecido como perito a nível mundial em ciência cognitiva, tendo começado o seu percurso nesta área nos anos 60, em Harvard. Celebrizou-se na área da usabilidade graças a obras como The Design of Everyday Things, de 1988, Things That Make Us Smart, de 1993, The Invisible Computer, de 1999 e mais recentemente Emotional Design: Why We Love or Hate Everyday Things.

Inicialmente, Norman surge como apologista da usabilidade sobre o design, descurando se calhar, a meu ver, o lado emotivo do design e o seu valor na criação de uma relação com o utilizador (pecado do qual se redime na sua obra mais recente, Emotional Design: Why We Love or Hate Everyday Things).

Na sua obra The Design of Everyday Things, Norman realça um ponto fulcral: as necessidades dos utilizadores não vão necessariamente de encontro com as necessidades dos utilizadores. Por exemplo, para o designer poderá ser importante conceber botões muito semelhantes para criar um efeito estético agradável, mas para o utilizador o que é importante é identificar de imediato que botões servem para quê. No ponto de vista de Norman, se um produto é concebido para ser utilizado, então essa utilização deverá ser facilitada, mesmo que isso custe o valor estético do produto. Nesta obra Norman vai enumerando alguns princípios de usabilidade, explicando o que constitui um bom design e o que constitui um mau design tendo em conta o comportamento humano. Por exemplo, dois dos princípios mais realçados pelo autor para a obtenção de um bom design são exactamente o proporcionar de feedback e permitir que as acções estejam sempre bem visíveis. O autor chega mesmo a não hesitar em sugerir que se recorra à estandardização quando as medidas sugeridas no livro falharem. Esta é então uma obra que se dedica a reflectir na maneira como as pessoas interagem com os objectos, nos erros de design que inundam a sociedade e em como se poderia corrigir esses erros na óptica da usabilidade com o objectivo último de tornar os produtos mais fáceis de usar.

Com a obra Emotional Design: Why We Love or Hate Everyday Things, Norman começa a ir mais além do que o que fez no seu inicio de percurso, em que considerava apenas o lado prático e funcional dos objectos, e passa agora a reflectir também no valor da estética para o produto. Com efeito, Norman chega à conclusão de que objectos bonitos funcionam melhor do que objectos feios. Numa experiência levada a cabo no Japão que comparava a funcionalidade de ATMs atractivos com a funcionalidade de ATMs pouco atractivos, ambos semelhantes em termos de funções e modo de funcionamento, verificou-se que os atractivos funcionavam melhor. Norman explica isso com uma razão muito simples: objectos atraentes conseguem satisfazer as pessoas e fazê-las sentirem-se bem, o que faz com que consigam pensar de forma criativa e encontrem mais facilmente soluções para dificuldades com que se deparam durante a interacção com o objecto. Ou seja, o facto de um objecto ser atraente para o seu utilizador, motiva-o, se calhar, a aprender a lidar com ele, aprendendo a contornar as dificuldades de utilização que encontrar.

Assiste-se assim a uma espécie de fusão entre emoção e design, entre sentimento e razão.

Assim, torna-se claro que Norman se apercebe de que um objecto tem dimensões que vão além da sua função e da sua utilização, dimensão essa que se relaciona com o utilizador, o seu feitio, o seu humor, o seu contexto situacional e a sua simpatia pelo objecto. Norman argumenta até que o lado emocional do design pode ser mais crítico para o sucesso de um produto do que os seus elementos práticos.

O que é certo é que as pessoas criam laços emotivos com os objectos, e estes deixam de ser simples objectos para passarem a ser muito mais do que isso e ganharem até uma personalidade própria. Um objecto pode perfeitamente simbolizar uma época especial da vida de alguém, uma memória, mas também pode simbolizar algo com que a pessoa gostaria de ser identificada… A pessoa reconhece na imagem ou forma do objecto o seu valor, e não apenas na sua funcionalidade.

Por exemplo, um rolex é muito mais do que um simples relógio para o seu dono. O dono não se importa nem provavelmente estará interessado no modo de funcionamento do relógio. Seria até capaz de o preferir em ocasiões especiais em detrimento de outro relógio mais prático. O que lhe interessa no relógio será precisamente o que ele simboliza ou o significado que o dono lhe atribui, seja estatuto social ou poder económico, seja uma memória de um momento especial em que o relógio foi oferecido, por exemplo. Ora, assim percebe-se que esta temática começa a tocar também em questões relacionadas com semiótica e valor “subconsciente” da marca. Quando falamos de design emotivo, parece-me que a relação emotiva que se cria com os objectos passa pelo significado que a pessoa lhe atribui, quer esteja ou não relacionado directamente com a funcionalidade do objecto. Talvez seja por isso que beber uma bebida em copos chiques dá à bebida um sabor melhor, diferente de quando é servida em copos vulgares, que funcionam exactamente do mesmo modo que os chiques, mas que não conquistam tanta “admiração” de quem bebe por eles como os copos chiques.

Norman explica o que está por trás da nossa simpatia ou antipatia pelos objectos identificando três dimensões do design, através de uma análise dos três níveis de funcionamento do nosso cérebro, que condicionam o nosso sistema afectivo: visceral, behavioral (ou comportamental) e reflectivo. Por um lado, a dimensão visceral do design prende-se com o seu aspecto intrínseco, que condiciona o nosso primeiro impulso face ao objecto, o que pode explicar o porquê da importância dos livros terem uma capa atractiva, por exemplo, que chame a atenção para o livro, porque isso será preponderante aquando da escolha de um livro num espaço como uma livraria em que livros é algo que não falta.

Por sua vez, a dimensão comportamental (behavioral) contém os processos que controlam o comportamento do quotidiano. Esta dimensão prende-se com a satisfação e eficiência no uso. Por exemplo, se uma máquina for simples de manobrar estará sem dúvida a marcar pontos no que diz respeito a esta dimensão do design. Finalmente, a dimensão reflectiva do design prender-se-á com a racionalização e intelectualização de um produto. Esta dimensão está relacionada com memórias e sensações que o produto / objecto (como uma fotografia, por exemplo) consiga evocar no utilizador. Neste contexto, o orgulho de possuir um objecto e até o reconhecimento de valor nas marcas é sem dúvida importante para a dimensão reflectiva do produto (aplica-se aqui perfeitamente o exemplo do rolex acima referido).

Todos estes níveis de funcionamento do cérebro afectam de forma diferente a maneira como as pessoas “funcionam”. É, no entanto, importante saber como é que opera cada um destes níveis.

Como Norman explica, o nível visceral é o primeiro a agir e fá-lo rapidamente. Avalia o que é bom ou mau numa primeira impressão e envia os sinais respectivos aos músculos do corpo (o que explica certas reacções, como arrepios, por exemplo, que temos perante certos objectos) e alerta o cérebro. Este procedimento condicionado por factores biológicos marca o início do processo afectivo.

Por sua vez, a dimensão behavioral pode não funcionar de forma consciente, daí um músico ser capaz de tocar uma peça complexa que já ensaiou dezenas de vezes sem necessitar de recorrer à pauta, quase que automaticamente, e chegar a um certo ponto em que tem necessidade de pensar para identificar a parte da peça em que se encontra, apesar de continuar a tocar automaticamente. Esta dimensão pode ser estimulada ou inibida pelo nível reflectivo e / ou visceral. Com efeito, apesar do nível reflectivo não ter acesso directo ao controlo do comportamento, o que é certo é que o nível reflectivo vigia, reflecte e tenta interligar o nível behavioral / comportamental.

A interligação entre as três dimensões do sistema afectivo num produto nem sempre é pacífica. De facto, os produtos implicam uma série de conflitos entre as dimensões visceral, behavioral e reflectiva já que podem ser interpretados de várias maneiras diferentes por cada pessoa, devido aos seus diferentes backgrounds empíricos. No entanto, um produto envolve sempre estas três dimensões em conjunto, e é muito raro na prática envolver apenas uma delas.

Para ser bem sucedido, o design deverá satisfazer todos os níveis da dimensão afectiva. Contudo, em produtos que se destinam às massas, isso nem sempre é possível porque as pessoas são muito diferentes umas das outras. É quase impossível que um único produto seja capaz de satisfazer toda a gente. Assim, é extremamente importante definir e conhecer bem o público-alvo de um produto, para tentar antecipar as necessidades e gostos desse público e assim ter uma maior probabilidade de o satisfazer na totalidade adequando o produto a essas necessidades e gostos.

De facto, para triunfar em termos de design emotivo, um produto deverá satisfazer os gostos do seu utilizador, na medida em que os objectos que possuímos são a “expressão pública daquilo que somos”, nas palavras de Donald Norman, e ajudam a pessoa a formar uma imagem de si própria, o que assume grande importância na vida de todos. Essa auto-imagem pode perfeitamente ser fortalecida através de determinados produtos, que permitam ao seu utilizador alcançar uma sensação de cumprimento de dever com êxito. Norman explica que isso já se demonstrou com vários produtos, como a confecção em casa de bolos pré-preparados. O facto do utilizador ser chamado a cooperar na elaboração do produto acaba por criar laços emotivos entre o utilizador e o produto, dando a sensação ao utilizador de que o produto acaba por ser um pouco também obra sua. No entanto, não se deverá chegar ao extremo de permitir apenas tarefas demasiado simples ao utilizador, porque isso diminuirá o sentimento de cumprimento de missão e também o alcance do design emotivo nesse produto.

Passando isto para o meio multimédia, seria talvez bastante interessante a criação de uma plataforma interactiva em que cada utilizador pudesse alterar a interface de acordo com os seus gostos. Isso permitiria aumentar o sucesso do design emotivo na medida em que o utilizador sentiria uma ligação especial com o produto já que este acabaria por ser também uma criação sua, à sua imagem, e exprimiria isso mesmo publicamente. O produto acabaria por adquirir uma personalidade compatível com o seu utilizador.

Efectivamente, torna-se claro que os produtos são capazes de ter personalidade. No entanto, seria necessário garantir um comportamento coerente do produto mesmo que este estivesse personalizado com diferentes settings para diferentes utilizadores-alvo. Ou seja, uma vez definida um estilo / personalidade num produto, essa personalidade deverá ser estruturada e agir com coerência com essa estrutura.

Não deverá ser esquecido que, tal como os produtos, também as empresas e respectivas marcas podem ter uma personalidade própria. Daí o exemplo do rolex anteriormente referido. Isto é, é por isso que um rolex ou um swatch é mais do que um simples relógio, um Ferrari mais do que um simples automóvel, um channel nº5 mais do que um simples perfume, e por aí fora. De facto, as marcas precisam de tanta ou mais elaboração do que o próprio produto, porque às vezes a marca acaba por ser o produto (ou até superá-lo). As marcas conseguem incitar uma resposta emocional que nos leva até ao produto, o que demonstra que numa marca tudo gira em torno de emoção, que conduzirá a juízos de valor (positivos ou negativos) da empresa a que correspondem, e é por isso que é um elemento tão importante no mundo do comércio.

Assim, evidencia-se que por trás de qualquer produto existe uma dimensão que nenhum designer consegue fornecer ou mesmo prever, mas que não deverá de modo algum ignorar: a emoção. De facto, a emoção é algo intrínseco ao ser humano, e condiciona o seu humor, o seu comportamento e o seu modo de pensar. Por isso, é algo que não deverá ser menosprezado na criação de um produto.

Thursday, April 13, 2006

4| Directivas de Acessibilidade para idosos (versão 2.0):

Na web, assim como em tudo, é crucial que haja uma preocupação no sentido de promover a igualdade de oportunidades entre todos os cidadãos. De facto, só estaremos perante igualdade de oportunidades quando for assegurado que todos tenham acesso à mesma informação, sem qualquer tipo de barreiras, quer arquitectónicas quer psico-técnicas.

Estamos habituados a ter tudo feito à nossa medida e acabamos até por nem sequer reflectir no facto de existirem pessoas para quem a vida não está assim tão facilitada e na possibilidade de virmos a tornar-nos uma delas. Escravos de limitações de diversa natureza, pessoas com os mesmos direitos que todos os cidadãos vêm-se subjugadas a estruturas públicas totalmente inadequadas às suas necessidades, e isso aplica-se também à web.

Torna-se, assim, evidente a necessidade de levar em consideração as características e exigências próprias dos utilizadores para promover um meio WEB mais democratizado, nunca esquecendo que há utilizadores com necessidades especiais que deverão igualmente ser tidas em conta. É certo que lhes é garantido o mesmo direito que a todos os cidadãos para usufruir dos benefícios da Sociedade da Informação. No entanto, apesar de possuírem esse direito, continuam impossibilitados de o exercer completamente, já que a maioria dos sites existentes não estão construídos de forma a serem acessíveis a pessoas com necessidades especiais. Eis que nos deparamos com um paradoxo que se mantém vivo há anos, e julgo que será primordial um esforço também da parte do governo para, pelo menos, atenuar esta situação.

Em Portugal, começamos já a assistir a alguns progressos, apesar de modestos, para que este paradoxo se dissolva. Efectivamente, a Resolução do Conselho de Ministros nº 97/99, de 26 de Agosto de 1999, começa a delinear o caminho a seguir para atenuar a info-exclusão. Assim, inserida no plano de concretização da Iniciativa Nacional para os Cidadãos com Necessidades Especiais na Sociedade da Informação, esta Resolução do Conselho de Ministros visa assegurar que a informação disponibilizada pela Administração Pública na Internet, bem como pelos diversos institutos públicos, seja adequada para ser compreendida e pesquisável pelos cidadãos com necessidades especiais, “determinando-se que sejam adoptadas as soluções técnicas adequadas a que aquele objectivo seja alcançado.” (in ACESSO).

Ao contrário da legislação vigente nos Estados Unidos relativamente às condições de acessibilidade nos sites dos organismos estatais, que prevê multas pelo incumprimento das condições estabelecidas na lei, não tenho a certeza se em Portugal os organismos estatais que não cumpram as directrizes de acessibilidade são punidos. Todavia, o facto de não se verificar a presença de “punições" não deve impedir de trabalhar no sentido de não discriminar os cidadãos portadores de incapacidades motoras ou psíquicas.

Para promover a acessibilidade aos conteúdos WEB, será então necessário implementar formas de apresentação de conteúdos que permitam que a sua leitura possa ser feita por qualquer utilizador, em qualquer situação e com equipamentos diversos.

O W3C (World Wide Web Consortium) tem vindo já a desenvolver um trabalho importante no que diz respeito à promoção da acessibilidade. Este consórcio internacional dedica-se à criação de normas ou directivas que assegurem que a WEB se torna num meio efectivamente democratizado, acessível a qualquer utilizador, sejam quais forem as suas características cognitivo-motoras e os seus recursos informáticos.

Por sua vez, o site ACESSO é também exemplo de um site que dá indicações sobre questões de acessibilidade, apresentando um artigo intitulado “Requisitos de visitabilidade” bastante esclarecedor.

Tanto as directivas para a acessibilidade do W3C como os “Requisitos de visitabilidade” do site ACESSO apresentam sugestões para que os conteúdos WEB possam ser acedidos por todos (ou quase todos) os utilizadores. Uma delas é exactamente associar texto a cada elemento não textual (imagens ou sons), que pode ser feito através do atributo “alt” ou “longdesc”, como é referido no artigo “Requisitos de visitabilidade”. De facto, considera-se que o texto é acessível a quase todos os utilizadores, desde que seja possível manipulá-lo com leitores de ecrã e navegadores não visuais, usando sintetizadores de voz e/ou linhas Braille, e será extremamente útil para designar ou descrever o conteúdo e a função / intenção dos elementos não textuais. Proceder à legendagem de todas as imagens disponíveis, assim como à descrição das tabelas, será uma das formas para assegurar que todos os recursos, sem excepção, sejam acessíveis a todos os cidadãos que acedam ao site.

Outro aspecto importante para garantir que ninguém seja impedido de navegar pela informação devido a incapacidades de qualquer natureza será assegurar que as ligações textuais sejam palavras ou expressões compreensíveis fora do contexto. Um cego, por exemplo, recorre a um sintetizador de voz para navegar pela informação, e ligações formadas por "clique aqui", por exemplo, não são nada esclarecedoras para quem ouve apenas a informação das ligações. Do mesmo modo, deve-se também ter cuidado para que não seja usado várias vezes o mesmo texto para formar ligações diferentes, porque isso pode originar ambiguidade. Para além disso, permitir a activação dos elementos da página (links, etc) através do teclado é outro cuidado que se deverá ter em conta. De facto, pessoas com destreza reduzida ou com incapacidade de ver o cursor do ecrã têm dificuldade em usar um dispositivo como o rato. Nestes casos, o teclado poderá ser a única alternativa para quem não possuir um ecrã táctil ou este não for uma solução melhor.

Será também útil para a acessibilidade assegurar a perceptibilidade do texto e dos elementos gráficos quando vistos sem cores. De facto, se a cor for o único veículo utilizado para transmitir informação, as pessoas daltónicas, bem como os utilizadores de dispositivos sem cor ou com monitores não visuais, não conseguirão receber essa informação.

As medidas acima referidas são apenas algumas das sugeridas pelo artigo “Requisitos de visitabilidade” do site ACESSO e pelas directivas do W3C. Uma lista completa dessas directivas do W3C seria:

1 - Fornecer alternativas ao conteúdo sonoro e visual
2 - Não recorrer apenas à cor
3 - Utilizar correctamente anotações e folhas de estilo
4 - Indicar claramente qual a língua utilizada
5 - Criar tabelas passíveis de transformação harmoniosa
6 - Assegurar que as páginas dotadas de novas tecnologias sejam transformadas harmoniosamente
7 - Assegurar o controlo do utilizador sobre as alterações temporais do conteúdo
8 - Assegurar a acessibilidade directa de interfaces do utilizador integradas
9 - Pautar a concepção pela independência face a dispositivos
10 - Utilizar soluções de transição
11 - Utilizar as tecnologias e as directivas do W3C
12 - Fornecer contexto e orientações
13 - Fornecer mecanismos de navegação claros
14 - Assegurar a clareza e a simplicidade dos documentos.

Todas estas directivas e respectiva explicação estão disponíveis no url http://www.utad.pt/wai/wai-pageauth.html.

Assim, torna-se evidente a obrigação de combater a info-exclusão numa Sociedade da Informação que deverá não só permitir que a maioria das pessoas tenha acesso aos seus benefícios, mas acima de tudo ajudar a melhorar a qualidade de vida e bem-estar de todos os cidadãos sem excepção.

Segundo a GUIA (Grupo Português pelas Iniciativas em Acessibilidade), o conceito de acessibilidade deverá ser analisado de acordo com três perspectivas: “utilizador”, “situação” e “ambiente”. Isto é, dever-se-á ter em conta as capacidades sensoriais e motoras de cada indivíduo para garantir que nenhum obstáculo se imporá entre o utilizador e a informação (perspectiva do “utilizador”), do mesmo modo que se deverá garantir que a informação é acessível e apropriada para ser funcional em qualquer situação, não estando o seu acesso condicionado por aspectos técnicos como software e hardware (perspectiva da “situação”) ou pelo ambiente físico envolvente (perspectiva do “ambiente”).

Se for feita uma análise segundo estas perspectivas, tornar a WEB num meio mais democrático será um objectivo obviamente mais próximo de ser alcançado. Mas para além dessa análise, será necessário dar atenção a aspectos relacionados com a interface homem-computador (que engloba desde ambientes / ferramentas informáticas a modelos / metáforas de interacção) e também a disponibilidade de informações e grau de familiarização dos utilizadores com os serviços da Internet. De facto, tanto a interface homem-computador como o grau de familiarização dos utilizadores é muito importante, na medida em que, se o utilizador reconhecer no meio virtual algo com que interaja no dia-a-dia e se se aperceber de que o meio virtual funciona tal como o meio físico, ser-lhe-á muito mais fácil interagir com o meio virtual, por exemplo.

Surgem, assim, estudos que pretendem descobrir formas de aumentar a acessibilidade na web tendo em conta grupos de utilizadores com necessidades especiais, aos quais muitas vezes essas necessidades não são reconhecidas. Esse é o caso do estudo de Márcia Barros de sales e de Walter de Abreu Cybis, que tenta desenvolver uma checklist para a avaliação da acessibilidade Web para utilizadores idosos.

Com efeito, as necessidades dos idosos são frequentemente menosprezadas pelos criadores de conteúdo web, mas o que é certo é que o envelhecimento comporta alterações cognitivo-motoras que se reflectem na capacidade deste grupo de utilizadores interagir com sistemas interactivos, como foi analisado no estudo acima referido.

Este estudo evidencia um interesse crescente de pessoas de idade mais avançada pelo uso da Internet, e a importância de conhecer e ter em conta aquando da produção de conteúdos WEB as alterações físicas e cognitivas que comportam necessidades especiais a estes utilizadores.

“À medida que as pessoas envelhecem, passam a ter algumas necessidades que surgem em função de problemas de ordem sensorial (como visão sub-reduzida, acuidade visual, audição, etc.), ordem física (motrocidade, etc) e cognitivas (redução da memória de curto termo)”.

Durante o estudo, que envolvia um trabalho de observação e análise de interacções realizadas por idosos na Web num workshop sobre como utilizar uma ferramenta de correio electrónico, foram identificadas as seguintes dificuldades de utilização:

1. dificuldade em acessar os textos das mensagens em virtude do “convite à interacção” mal posicionados, representado pela pequena caixa de selecção (checkbox) localizada no início da linha referente a uma mensagem;

2. dificuldades para realizar a acentuação dos caracteres, devido à padronização do teclado;

3. dificuldades de entendimento de termos técnicos como Inbox, Send Mail, lixeira, mover;

4. dificuldades para a visualização de ícones, devido ao seu tamanho reduzido;

5. dificuldades de compreensão do significado de ícones tais como: imagem de uma casa, sinal de positivo com o polegar, uma lanterna, uma seta apontando para uma porta, etc.;

6. dificuldades para a leitura dos textos devido ao tamanho reduzido das letras;

7. dificuldades para a leitura dos textos devido ao excesso de brilho no fundo da tela (branco);

8. dificuldades de visualização e de acionamento dos controles e comandos, a exemplo das caixas de seleção (check-box) para indicar as mensagens a serem excluídas, em função do tamanho reduzido;

9. dificuldades de visualização do cursor na tela devido ao seu tamanho reduzido e a sua forma excessivamente delgada;

10. dificuldades de navegação, particularmente para voltar para a caixa de entrada;

11. confusão e hesitação devido à dupla apresentação da barra de ferramentas, no início em o final da página, nos casos em que havia poucas mensagens.

12. os usuários manifestaram sua preferência por dispositivos alternativos de entrada de dados, como por exemplo, o microfone;

13. monotonia, demora na realização de tarefas de enviar e receber e-mails;

Se analisarmos estes resultados, as únicas dificuldades sentidas relacionadas com o facto dos utilizadores serem idosos foram dificuldades resultantes do deteorar da sua capacidade de visão, nomeadamente dos textos, dos ícones e do cursor, devido ao seu tamanho reduzido. De facto, todas as restantes dificuldades detectadas poderiam perfeitamente ser sentidas por qualquer utilizador sem necessidades especiais, que apenas não estivesse familiarizado com o sistema interactivo.

Após o trabalho de observação empírica, os autores do estudo chegaram a uma checklist (que pode ser consultada no url http://www.labiutil.inf.ufsc.br/acessibilidade/index.htm) que se resume ao seguinte:

  1. Compatibilidade
  2. Flexibilidade
  3. Legibilidade
  4. Controle do Usuário
  5. Agrupamento / Distinção por Localização
  6. Significados dos Códigos e Denominações
  7. Presteza
  8. Acções Mínimas
  9. Consistência
  10. Densidade Informacional

Esta checklist foi organizada segundo os critérios ergonómicos de Bastien & Scapin e, tal como as directivas do W3C, identifica qual a prioridade do cumprimento de cada norma, sendo 1 prioridade máxima, cujo incumprimento comporta falhas acentuadas de acessibilidade a um ou vários grupos de utilizadores, e sendo 3 prioridade “relativa”, já que o cumprimento dessas normas favorecerá a acessibilidade mas o seu incumprimento não compromete totalmente a acessibilidade.

Este estudo de Márcia Barros de sales e de Walter de Abreu Cybis é extremamente interessante pela sua análise das necessidades dos idosos, nomeadamente a perspectiva que dá do processo de envelhecimento e das alterações fisiológicas e cognitivas que ocorrem durante esse processo.

No entanto, a meu ver, apesar da checklist elaborada ser um bom começo para o estudo de questões de acessibilidade Web particularizadas às necessidades de um grupo de utilizadores, neste caso os idosos, o estudo acaba por ser apenas isso, um começo.

Para começar, não resultou num estudo muito eclético. De facto, para além da amostra de utilizadores tida em conta no estudo ser formada por elementos muito semelhantes, quer em termos de idade, quer em termos de estatuto social, por assim dizer (o que retira alguma significância estatística à amostra), o método de observação escolhido se calhar também não foi o melhor. De facto, a escolha de analisar a interacção dos idosos com uma ferramenta de e-mail acaba por ser um bocado fechada, porque acaba por não permitir observar a interacção dos utilizadores perante um leque mais diversificado de situações, o que seria útil para identificar outros possíveis problemas de interacção. Apesar da ferramenta de e-mail ter sido uma escolha compreensível, dado ser uma ferramenta extremamente útil e relevante no meio WEB, julgo que acaba por condicionar um pouco os resultados, já que as tarefas possíveis numa ferramenta de e-mail acabam por ser muito reduzidas se tivermos em conta toda a panóplia de tarefas possíveis em sistemas interactivos do mundo WEB. Assim, acaba por ser um pouco erróneo, a meu ver, depreender e generalizar as necessidades específicas de um dado grupo de utilizadores detectadas apenas através da observação da interacção com um sistema interactivo em que as opções acabam por ser muito reduzidas quando observadas da perspectiva geral da WEB. Porque não levar a cabo um estudo empírico melhor fundamentado, tendo em conta uma análise da interacção dos idosos com outros sistemas interactivos, atribuindo determinadas tarefas a serem cumpridas, o que não invalida a inclusão de vários tipos de sistemas interactivos WEB no estudo? Por exemplo, poder-se-ia fazer uma observação da interacção de um grupo de utilizadores previamente definido com uma ferramenta de correio electrónico, com um site de um organismo estatal e com um site comercial, por exemplo. Seriam assim três tipos de sistemas interactivos diferentes, que exigem também comportamentos diferentes dos utilizadores.

Para além disso, se analisarmos bem, a checklist também não apresentou nada que não estivesse já contemplado nas directivas para a acessibilidade do W3C (se é que acrescentam alguma coisa para além da intenção de proporcionar um guia menos generalista do que as directivas do W3C e de apresentar esse guia na forma de uma checklist, que até então não existia). As medidas sugeridas na checklist continuam demasiado “generalistas” para algo que pretendia ser uma checklist específica para idosos. Com efeito, se o objectivo era criar uma checklist específica para idosos, os aspectos focados na checklist deveriam ser mais aprofundados de modo a especificar melhor maneiras de ir ao encontro às necessidades deste grupo de utilizadores. Por exemplo, apenas as questões 8 e 9 relativas ao critério compatibilidade resultaram directamente da observação empírica da interacção do grupo de idosos com a ferramenta de correio electrónico, referindo-se à necessidade de verificar o tamanho e destaque do cursor nos menus (questão 8), assim como o tamanho dos elementos e da sua área de interacção para garantir maior facilidade de controlo pelo utilizador idoso (questão 9). De facto, como é explicado na checklist, “os usuários idosos com declínios visuais podem ter muitas dificuldades para encontrar a posição de um cursor de reduzido tamanho ou de formato esbelto, em um tela carregada de elementos”, do mesmo modo que “os usuários idosos com declínio em suas capacidades de controle motor fino, apresentam dificuldades para "acertar" sobre minúsculas áreas sensíveis de objetos de controles como links, botões de comando (…)”. Daí a relevância das duas qestões.

No entanto devo referir que, a meu ver, um bom estudo de público-alvo e respectivas necessidades conseguiria alcançar as mesmas conclusões que esta checklist. De facto, se estivermos a desenvolver um produto interactivo para um público idoso, sabemos de antemão que este público poderá ter problemas de visão e de motricidade, do mesmo modo que poderá não estar familiarizado com o meio, por exemplo. Tendo isso em conta, sabemos que deveremos ter cuidados especiais para que os conteúdos do produto interactivo possam ser acedidos pelo seu público-alvo, e um desses cuidados seria exactamente aumentar a área de interacção com os elementos do sistema interactivo, por exemplo.

Por isso, a checklist apenas regista algo que qualquer produtor qualificado de sistemas interactivos tem em conta à partida e, logo, não traz nenhuma inovação ao mundo da produção de sistemas interactivos.

Contudo, não pretendo com estas afirmações retirar ou menosprezar o valor que a checklist adquiriu. De facto, a checklist tem a vantagem de alertar os produtores de conteúdo web para não cair em generalizações erróneas de que questões de acessibilidade são algo direccionado apenas a pessoas portadoras de deficiência. Aliás, se esta checklist consegue trazer alguma inovação no contexto da acessibilidade, essa inovação sente-se exactamente no sentido de que pela primeira vez se tentou fazer uma lista de normas dedicada apenas a um grupo de utilizadores específico e não ao grupo de utilizadores com necessidades especiais no geral. Para além disso, a checklist tem a vantagem de agregar num só documento as informações relevantes para o contexto dos idosos contidas em documentos maiores (como as directivas do W3C), juntamente com a vantagem de nomearem os critérios ergonómicos a que dizem respeito, assim como a relevância e explicação da questão. Ora, isto faz da checklist uma ferramenta prática para avaliação de sistemas interactivos, mas não mais que isso, já que o facto de sistematizar a informação de outros documentos faz com que a lista se torne na mesma generalista e aplicável à maioria dos utilizadores com necessidades especiais e não aos idosos em particular.

Em jeito de conclusão, compete reafirmar-se que, para ser bem sucedida nos objectivos delimitados, a checklist deveria seguir no sentido de se tornar menos generalista e dedicar-se mais aprofundadamente aos idosos. Talvez um estudo com uma amostra mais significativa e com tarefas mais variadas fosse importante para identificar dificuldades que são mais específicas dos idosos e não dos utilizadores com necessidades especiais, quer físicas quer cognitivas. Não digo que seja tarefa fácil identificar essas necessidades específicas, já que, se repararmos, todas as necessidades que advêm com a idade, sejam elas dificuldade de visão, dificuldade de concentração e de memória ou dificuldades motoras, podem ser verificadas em pessoas que não sejam idosas, mas que tenham essas dificuldades. Por isso é que se mostra difícil conseguir uma lista específica para idosos apenas, já que as suas necessidades especiais são idênticas às necessidades de tantos outros utilizadores. Mas se esse objectivo foi traçado para esta checklist, para que esse objectivo seja alcançado há que arregaçar as mangar e ir muito mais além do que se foi até então e aprofundar o estudo no sentido de formular uma checklist mais específica dos idosos e não tão generalista como se apresenta actualmente.

Como vemos, existem inúmeras implicações da acessibilidade no processo de produção de conteúdos de suporte web. Apesar de haver uma multiplicidade de situações possíveis e provavelmente não ser possível solucionar todas elas na totalidade, um site, para ser realmente potenciador da acessibilidade, deverá dar resposta a vários grupos de incapacidade em simultâneo e, por extensão, às necessidades do universo dos utilizadores da Internet. Se esse objectivo conseguir ser levado a cabo, estaremos seguramente a caminhar no sentido de uma Sociedade da Informação mais justa e igual, em que pessoas com e sem necessidades especiais serão capazes de exercer o mesmo direito à informação.