Tuesday, April 18, 2006

O Design Emotivo na perspectiva de Donald Norman – Emotional Design: Why We Love or Hate Everyday Things

Emotional Design: Why We Love or Hate Everyday Things é uma das primeiras obras dedicadas a um trabalho de reflexão sobre a ligação entre a emoção e a forma como nos relacionamos com os objectos, sejam eles simples bules ou carros de luxo.

Para compreender a importância e alcance desta obra de Donald Norman, será importante fazer uma breve retrospectiva pelo percurso deste autor, também para perceber a quantidade de caminhos pelos quais o design pode enveredar.

Donald Norman é um dos percursores da área da psicologia cognitiva. É actualmente reconhecido como perito a nível mundial em ciência cognitiva, tendo começado o seu percurso nesta área nos anos 60, em Harvard. Celebrizou-se na área da usabilidade graças a obras como The Design of Everyday Things, de 1988, Things That Make Us Smart, de 1993, The Invisible Computer, de 1999 e mais recentemente Emotional Design: Why We Love or Hate Everyday Things.

Inicialmente, Norman surge como apologista da usabilidade sobre o design, descurando se calhar, a meu ver, o lado emotivo do design e o seu valor na criação de uma relação com o utilizador (pecado do qual se redime na sua obra mais recente, Emotional Design: Why We Love or Hate Everyday Things).

Na sua obra The Design of Everyday Things, Norman realça um ponto fulcral: as necessidades dos utilizadores não vão necessariamente de encontro com as necessidades dos utilizadores. Por exemplo, para o designer poderá ser importante conceber botões muito semelhantes para criar um efeito estético agradável, mas para o utilizador o que é importante é identificar de imediato que botões servem para quê. No ponto de vista de Norman, se um produto é concebido para ser utilizado, então essa utilização deverá ser facilitada, mesmo que isso custe o valor estético do produto. Nesta obra Norman vai enumerando alguns princípios de usabilidade, explicando o que constitui um bom design e o que constitui um mau design tendo em conta o comportamento humano. Por exemplo, dois dos princípios mais realçados pelo autor para a obtenção de um bom design são exactamente o proporcionar de feedback e permitir que as acções estejam sempre bem visíveis. O autor chega mesmo a não hesitar em sugerir que se recorra à estandardização quando as medidas sugeridas no livro falharem. Esta é então uma obra que se dedica a reflectir na maneira como as pessoas interagem com os objectos, nos erros de design que inundam a sociedade e em como se poderia corrigir esses erros na óptica da usabilidade com o objectivo último de tornar os produtos mais fáceis de usar.

Com a obra Emotional Design: Why We Love or Hate Everyday Things, Norman começa a ir mais além do que o que fez no seu inicio de percurso, em que considerava apenas o lado prático e funcional dos objectos, e passa agora a reflectir também no valor da estética para o produto. Com efeito, Norman chega à conclusão de que objectos bonitos funcionam melhor do que objectos feios. Numa experiência levada a cabo no Japão que comparava a funcionalidade de ATMs atractivos com a funcionalidade de ATMs pouco atractivos, ambos semelhantes em termos de funções e modo de funcionamento, verificou-se que os atractivos funcionavam melhor. Norman explica isso com uma razão muito simples: objectos atraentes conseguem satisfazer as pessoas e fazê-las sentirem-se bem, o que faz com que consigam pensar de forma criativa e encontrem mais facilmente soluções para dificuldades com que se deparam durante a interacção com o objecto. Ou seja, o facto de um objecto ser atraente para o seu utilizador, motiva-o, se calhar, a aprender a lidar com ele, aprendendo a contornar as dificuldades de utilização que encontrar.

Assiste-se assim a uma espécie de fusão entre emoção e design, entre sentimento e razão.

Assim, torna-se claro que Norman se apercebe de que um objecto tem dimensões que vão além da sua função e da sua utilização, dimensão essa que se relaciona com o utilizador, o seu feitio, o seu humor, o seu contexto situacional e a sua simpatia pelo objecto. Norman argumenta até que o lado emocional do design pode ser mais crítico para o sucesso de um produto do que os seus elementos práticos.

O que é certo é que as pessoas criam laços emotivos com os objectos, e estes deixam de ser simples objectos para passarem a ser muito mais do que isso e ganharem até uma personalidade própria. Um objecto pode perfeitamente simbolizar uma época especial da vida de alguém, uma memória, mas também pode simbolizar algo com que a pessoa gostaria de ser identificada… A pessoa reconhece na imagem ou forma do objecto o seu valor, e não apenas na sua funcionalidade.

Por exemplo, um rolex é muito mais do que um simples relógio para o seu dono. O dono não se importa nem provavelmente estará interessado no modo de funcionamento do relógio. Seria até capaz de o preferir em ocasiões especiais em detrimento de outro relógio mais prático. O que lhe interessa no relógio será precisamente o que ele simboliza ou o significado que o dono lhe atribui, seja estatuto social ou poder económico, seja uma memória de um momento especial em que o relógio foi oferecido, por exemplo. Ora, assim percebe-se que esta temática começa a tocar também em questões relacionadas com semiótica e valor “subconsciente” da marca. Quando falamos de design emotivo, parece-me que a relação emotiva que se cria com os objectos passa pelo significado que a pessoa lhe atribui, quer esteja ou não relacionado directamente com a funcionalidade do objecto. Talvez seja por isso que beber uma bebida em copos chiques dá à bebida um sabor melhor, diferente de quando é servida em copos vulgares, que funcionam exactamente do mesmo modo que os chiques, mas que não conquistam tanta “admiração” de quem bebe por eles como os copos chiques.

Norman explica o que está por trás da nossa simpatia ou antipatia pelos objectos identificando três dimensões do design, através de uma análise dos três níveis de funcionamento do nosso cérebro, que condicionam o nosso sistema afectivo: visceral, behavioral (ou comportamental) e reflectivo. Por um lado, a dimensão visceral do design prende-se com o seu aspecto intrínseco, que condiciona o nosso primeiro impulso face ao objecto, o que pode explicar o porquê da importância dos livros terem uma capa atractiva, por exemplo, que chame a atenção para o livro, porque isso será preponderante aquando da escolha de um livro num espaço como uma livraria em que livros é algo que não falta.

Por sua vez, a dimensão comportamental (behavioral) contém os processos que controlam o comportamento do quotidiano. Esta dimensão prende-se com a satisfação e eficiência no uso. Por exemplo, se uma máquina for simples de manobrar estará sem dúvida a marcar pontos no que diz respeito a esta dimensão do design. Finalmente, a dimensão reflectiva do design prender-se-á com a racionalização e intelectualização de um produto. Esta dimensão está relacionada com memórias e sensações que o produto / objecto (como uma fotografia, por exemplo) consiga evocar no utilizador. Neste contexto, o orgulho de possuir um objecto e até o reconhecimento de valor nas marcas é sem dúvida importante para a dimensão reflectiva do produto (aplica-se aqui perfeitamente o exemplo do rolex acima referido).

Todos estes níveis de funcionamento do cérebro afectam de forma diferente a maneira como as pessoas “funcionam”. É, no entanto, importante saber como é que opera cada um destes níveis.

Como Norman explica, o nível visceral é o primeiro a agir e fá-lo rapidamente. Avalia o que é bom ou mau numa primeira impressão e envia os sinais respectivos aos músculos do corpo (o que explica certas reacções, como arrepios, por exemplo, que temos perante certos objectos) e alerta o cérebro. Este procedimento condicionado por factores biológicos marca o início do processo afectivo.

Por sua vez, a dimensão behavioral pode não funcionar de forma consciente, daí um músico ser capaz de tocar uma peça complexa que já ensaiou dezenas de vezes sem necessitar de recorrer à pauta, quase que automaticamente, e chegar a um certo ponto em que tem necessidade de pensar para identificar a parte da peça em que se encontra, apesar de continuar a tocar automaticamente. Esta dimensão pode ser estimulada ou inibida pelo nível reflectivo e / ou visceral. Com efeito, apesar do nível reflectivo não ter acesso directo ao controlo do comportamento, o que é certo é que o nível reflectivo vigia, reflecte e tenta interligar o nível behavioral / comportamental.

A interligação entre as três dimensões do sistema afectivo num produto nem sempre é pacífica. De facto, os produtos implicam uma série de conflitos entre as dimensões visceral, behavioral e reflectiva já que podem ser interpretados de várias maneiras diferentes por cada pessoa, devido aos seus diferentes backgrounds empíricos. No entanto, um produto envolve sempre estas três dimensões em conjunto, e é muito raro na prática envolver apenas uma delas.

Para ser bem sucedido, o design deverá satisfazer todos os níveis da dimensão afectiva. Contudo, em produtos que se destinam às massas, isso nem sempre é possível porque as pessoas são muito diferentes umas das outras. É quase impossível que um único produto seja capaz de satisfazer toda a gente. Assim, é extremamente importante definir e conhecer bem o público-alvo de um produto, para tentar antecipar as necessidades e gostos desse público e assim ter uma maior probabilidade de o satisfazer na totalidade adequando o produto a essas necessidades e gostos.

De facto, para triunfar em termos de design emotivo, um produto deverá satisfazer os gostos do seu utilizador, na medida em que os objectos que possuímos são a “expressão pública daquilo que somos”, nas palavras de Donald Norman, e ajudam a pessoa a formar uma imagem de si própria, o que assume grande importância na vida de todos. Essa auto-imagem pode perfeitamente ser fortalecida através de determinados produtos, que permitam ao seu utilizador alcançar uma sensação de cumprimento de dever com êxito. Norman explica que isso já se demonstrou com vários produtos, como a confecção em casa de bolos pré-preparados. O facto do utilizador ser chamado a cooperar na elaboração do produto acaba por criar laços emotivos entre o utilizador e o produto, dando a sensação ao utilizador de que o produto acaba por ser um pouco também obra sua. No entanto, não se deverá chegar ao extremo de permitir apenas tarefas demasiado simples ao utilizador, porque isso diminuirá o sentimento de cumprimento de missão e também o alcance do design emotivo nesse produto.

Passando isto para o meio multimédia, seria talvez bastante interessante a criação de uma plataforma interactiva em que cada utilizador pudesse alterar a interface de acordo com os seus gostos. Isso permitiria aumentar o sucesso do design emotivo na medida em que o utilizador sentiria uma ligação especial com o produto já que este acabaria por ser também uma criação sua, à sua imagem, e exprimiria isso mesmo publicamente. O produto acabaria por adquirir uma personalidade compatível com o seu utilizador.

Efectivamente, torna-se claro que os produtos são capazes de ter personalidade. No entanto, seria necessário garantir um comportamento coerente do produto mesmo que este estivesse personalizado com diferentes settings para diferentes utilizadores-alvo. Ou seja, uma vez definida um estilo / personalidade num produto, essa personalidade deverá ser estruturada e agir com coerência com essa estrutura.

Não deverá ser esquecido que, tal como os produtos, também as empresas e respectivas marcas podem ter uma personalidade própria. Daí o exemplo do rolex anteriormente referido. Isto é, é por isso que um rolex ou um swatch é mais do que um simples relógio, um Ferrari mais do que um simples automóvel, um channel nº5 mais do que um simples perfume, e por aí fora. De facto, as marcas precisam de tanta ou mais elaboração do que o próprio produto, porque às vezes a marca acaba por ser o produto (ou até superá-lo). As marcas conseguem incitar uma resposta emocional que nos leva até ao produto, o que demonstra que numa marca tudo gira em torno de emoção, que conduzirá a juízos de valor (positivos ou negativos) da empresa a que correspondem, e é por isso que é um elemento tão importante no mundo do comércio.

Assim, evidencia-se que por trás de qualquer produto existe uma dimensão que nenhum designer consegue fornecer ou mesmo prever, mas que não deverá de modo algum ignorar: a emoção. De facto, a emoção é algo intrínseco ao ser humano, e condiciona o seu humor, o seu comportamento e o seu modo de pensar. Por isso, é algo que não deverá ser menosprezado na criação de um produto.

4 comments:

Unknown said...

Bem, em primeiro lugar parabéns por desta vez não me obrigares a uma pausa a meio do artigo :p

Depois, tens um pequeno erro no teu artigo:

Na sua obra The Design of Everyday Things, Norman realça um ponto fulcral: as necessidades dos utilizadores não vão necessariamente de encontro com as necessidades dos utilizadores.

Reli várias vezes a frase, até perceber onde querias chegar...

Quanto ao resto do artigo, parece-me bem... Desta vez, o tema dava para nos alongarmos imenso, mas optei pela mesma solução que tu e ser o mais conciso possível... O tempo é escasso...

Beijito e bom trabalho! :)

Juliana M. said...

Pois é!Desculpem o errito... É o que dá quando se quer fazer muita coisa ao mesmo tempo...

Juliana M. said...

O que eu queria dizer era: "as necessidades dos designers não vão necessáriamente de encontro às necessidades dos utilizadores".

Adriano Schmidt - localhost8080 said...

parabéns pelo post! volte a escrever aqui no blog! :)