O sistema Sigarra é, infelizmente, um óptimo exemplo da subversão de princípios de usabilidade que vem flagelando a Web.
Sustentando-se numa estrutura caótica e claramente mal planeada, o Sigarra subsiste, aumentando cada vez mais a sua dimensão e subsequentemente a sua desorganização e caos. Triste será dizer que é este o exemplo dado pelo sistema que abarca os sites de todas as Faculdades de tão importante Instituição de ensino Superior como é a Universidade do Porto, o que faz dela portadora de “responsabilidade social”, a meu ver, suficiente para ter obrigação de dar um exemplo melhor.
Tamanho caos e desorganização do sistema Sigarra deve-se, sobretudo, ao facto de ter sido concebido pela Faculdade de Engenharia como um projecto menos ambicioso ou mais pequeno do que se viria a tornar. O que é certo é que na sua concepção não foram tidas em conta determinadas possibilidades e aspectos que contribuiriam em muito para prevenir determinadas falhas de princípios de usabilidade que saltam à vista de imediato (como o excesso de informação, tanto no que diz respeito ao texto, que ultrapassa as 8 palavras por linha acabando por proporcionar uma má legibilidade com uma leitura dificultada, como no que diz respeito ao número de opções disponíveis por página, por exemplo) e permitiriam mudar o rumo que o sistema acabou por seguir.
Para poder falar com mais precisão destes aspectos, importa talvez fazer uma contextualização mais pormenorizada acerca dos princípios de usabilidade.
Para começar, Bruce Tognazzini defende que as aplicações interactivas deveriam ser capazes de antecipar as necessidades e vontades do utilizador. Isto é, estas aplicações deveriam ser pensadas tendo em conta as necessidades do utilizador e estar de antemão preparadas para satisfazer essas necessidades da melhor maneira. Para tal, é necessário que a informação e ferramentas para despoletar uma determinada acção sejam explicitadas. Isto prende-se com outro aspecto apontado por Tognazzini, a capacidade de personalização do sistema para dar lugar a sistemas “inteligentes” que reconheçam as necessidades de cada utilizador.
Ao mesmo tempo, segundo Tognazzini, seria imprescindível um compromisso entre a autonomia do utilizador e as restrições do sistema para fomentar a usabilidade. Ou seja, o sistema deverá ter um equilíbrio entre as suas restrições e a autonomia permitida ao utilizador para que este sinta algum estímulo que o leve a agir. Para que o utilizador sinta esse estímulo, há necessidade de que o sistema imponha algumas "barreiras". Apesar disto parecer paradoxal, o que é certo é que as pessoas não se sentem livres ou orientadas perante uma total ausência de barreiras, como afirma Yallum. Segundo Nielson, os utilizadores não familiarizados com um sistema são favorecidos se o número de acções disponível for reduzido já que isso facilitará a escolha.
Ora, o que se verifica no Sigarra relativamente a isto é que é extremamente difícil encontrar determinados conteúdos. Isto reflecte que não houve uma preocupação em antecipar devidamente as necessidades e vontades do utilizador através de uma boa explicitação da informação e ferramentas necessárias para ultrapassar o golfo da execução. Para além disso, o Sigarra parece não ter muita capacidade de personalização. Com efeito, a possibilidade de login do sistema poderia ser usada para algo mais ambicioso. Poderia, por exemplo, dar acesso a uma área personalizada em que as necessidades e vontades do utilizador fossem antecipadas pelo sistema. Não é isso que se verifica no Sigarra. No entanto, julgo não estar errada ao afirmar que o Sigarra não falha completamente no âmbito da capacidade de personalização. De facto, podemos considerar que o login consegue algum grau de personalização, na medida em que permite aceder a páginas pessoais que de outra forma estão inacessíveis e que são próprias de cada utilizador, como é o caso da ficha do aluno e da secção das propinas.
Do mesmo modo, as “barreiras” que deveriam existir no Sigarra para incitar o utilizador a agir dissolvem-se com o excesso de informação. Isto é, ao deparar-se com tamanha vastidão de menus e opções do sistema, o utilizador acaba por ficar perdido sem saber que opções tomar para alcançar determinada informação. Torna-se assim evidente a violação de um dos princípios de usabilidade propostos por Jacob Nielsen que refere o reconhecimento das tarefas possíveis. De facto, com tantas opções disponíveis numa só página, o Sigarra torna difícil para o utilizador reconhecê-las e fixá-las. Ao entrar na página, o ideal seria que o utilizador conseguisse identificar facilmente todas as opções que tem disponíveis e o respectivo efeito. Assim não sendo, o tempo de latência aumenta vertiginosamente, e o utilizador pode mesmo vir a não conseguir encontrar a opção pretendida.
Jacob Nielsen desenvolveu um método de avaliação heurística que ajuda a comprovar o caos que o sistema Sigarra é. Nesse método, Nielson define vários parâmetros de avaliação da usabilidade tais como a existência de feedback do sistema, a existência de metáforas do mundo real, a consistência de funções e a existência de sistemas de ajuda e manuais, entre outros já referidos no artigo. De facto, todos estes parâmetros favoreceriam a usabilidade de um produto, senão vejamos:
1. o feedback permite ao utilizador monitorizar o progresso da execução das tarefas ou opções que seleccionou. Isto é, o feedback permite manter uma espécie de diálogo com o sistema, na medida em que o utilizador interage com ele e consegue ver as respostas que o sistema dá às aos seus pedidos / acções. Ora, deste modo, o feedback permite uma utilização mais cómoda do produto, do mesmo modo que acaba por reduzir os níveis de ansiedade sentida pelo utilizador ao longo da utilização do produto.
2. a utilização de metáforas do mundo real permite, por sua vez, uma maior familiarização do utilizador com a linguagem do sistema, o que se traduz numa aprendizagem do manuseamento do sistema mais fácil e mais rápida. De facto, essa “aprendabilidade” do sistema é muito importante para fomentar a usabilidade, tanto que é referida também por outros autores como Tognazzini. Segundo ele, uma interface deve ser auto-aprendível para que se torne mais fácil para o utilizador trabalhar com ela e até para conseguirmos prevenir a ocorrência de erros ou tomadas de decisão erradas. Para tal, a utilização de metáforas do mundo real é muito útil, assim como a possibilidade de reverter as acções.
3. a consistência permite que determinados elementos do interface como objectos e acções tenham o mesmo significado ou efeito em situações diferentes. Ora, isto permite minimizar a necessidade de conhecimento do utilizador para a utilização de um determinado sistema, na medida em que o utilizador poderá generalizar comportamentos que interiorizou através da sua experiência com o sistema ou com outros sistemas. Para além disso, segundo Tognazzini, a consistência aplica-se também à estrutura do sistema. De facto, Tognazzini considera que “a localização é apenas ligeiramente menos importante que a aparência”, isto porque a disposição dos elementos invisiveis (assistentes de ajuda...), por exemplo, assim como a disposição dos pequenos elementos tendo em conta uma Imagem global / Identidade corporativa e a familiaridade entre objectos deve também ser standardizada para facilitar a interacção com o utilizador.
4. Por outro lado, a existência de sistemas de ajuda e manuais deveria ser desnecessária num sistema. No entanto, estes sistemas de ajuda e manuais poderão ser favoráveis para ajudar o utilizador como meios de referência rápida.
Ora, analisando o sistema Sigarra destas perspectivas, podemos considerar que se verifica algum feedback do sistema, desde logo na interacção com os menus, cuja opacidade se altera on mouse over. Para além disso, também conseguimos ter algum feedback do sistema quando fazemos login e, dependendo da situação, o sistema informa que o username ou password estão errados, por exemplo.
Quanto à capacidade de aprendizagem do sistema, identificamos logo a ineficiência do Sigarra. De facto, com a quantidade enorme de opções, a maioria das vezes desprovidas de clareza, a aprendizagem da maneira de trabalhar com o sistema sai prejudicada. Daí a presença de sistemas de ajuda e manuais para o Sigarra ser muito importante.
Com efeito, o Sigarra cumpre este parâmetro referido por Nielsen através da presença de um botão de ajuda sempre presente, mas isso não invalida uma verdade proferida por Donald Norman que refere que se os sistemas de ajuda forem necessários é sinal de que o produto interactivo não foi bem concebido. Isto é, se o produto estiver bem concebido, será óbvio para o utilizador que acções são necessárias para atingir determinado efeito e assim os manuais serão desnecessários.
Isto leva-nos a questões de consistência. Para começar, no meu ponto de vista, existem alguns problemas de consistência relativamente ao que é vulgar numa página web. Um exemplo disso é o facto do site da FLUP, por exemplo, recorrer a expressões sublinhadas tanto para links como para downloads, sem qualquer diferenciação ou explicitação anterior, o que acaba por prejudicar a aprendizagem do modo de funcionamento do sistema e consegue confundir o utilizador. Por sua vez, conseguimos identificar uma tentativa de coerência gráfica entre os websites do sistema Sigarra. De facto, todos têm uma estrutura semelhante, com uma barra no topo da página com a cor da faculdade, texto no centro, um menu principal do lado esquerdo com uma área de login e mapa do campus por baixo, e um menu secundário do lado direito. No entanto, esta coerência em termos gráficos não consegue invalidar algumas inconsistências entre os diferentes sites do Sigarra, nomeadamente no que diz respeito à hierarquização das diferentes secções nos menus dos diferentes sites, já que algumas opções do menu principal, ou simplesmente a sua localização, variam um pouco de site para site do sistema.
Já que falo em hierarquização da informação, não poderia deixar de realçar um princípio mencionado por Jacob Nielson, que refere que as informações e funcionalidades e mais importantes do produto interactivo devem usufruir de maior destaque, para favorecer a usabilidade. Ora, mais uma vez o Sigarra falha. Com tamanha quantidade de opções disponíveis, torna-se difícil destacar seja o que for e ajudar o utilizador a encontrar facilmente a informação ou funcionalidade que procura. Uma estratégia que seria talvez adequada para atenuar essa dificuldade que se verifica no Sigarra seria exactamente a alteração da disposição de determinados elementos no espaço visual. De facto, segundo um dos princípios referidos por Tognazzini, a Lei de Fitt, os conteúdos mais procurados deveriam estar localizados nos quatro cantos do ecrã como forma de obter maior visibilidade. Deste modo, se o Sistema disponibilizasse secções importantes do site, como a área do login, nos cantos do ecrã, conseguiria destacá-las de alguma forma. A área do login, por exemplo, sairia destacada se estivesse localizada no canto superior direito do ecrã, por exemplo, que é um local de destaque até a nível semiótico.
Em termos de arquitectura da informação, detectam-se desde logo falhas graves do Sistema. Por exemplo, o caminho que o utilizador percorre para alcançar a informação nunca deve ser muito superficial, nem muito profundo. Para tal, o utilizador não deverá ter necessidade de fazer mais de três escolhas para alcançar a informação pretendida e a quantidade de opções apresentadas em cada página deverá estar compreendida entre 5 e 7 opções. Ora, é mais do que evidente que o Sigarra falha redondamente nestes parâmetros. Denota-se, no entanto, uma preocupação do Sistema para informar o utilizador do local do site em que se encontra, através da existência de um “caminho de migalhas” que “executaria” uma espécie de acção de tracking. Disse “executaria” porque na realidade não executa como deveria. De facto, o “caminho de migalhas” que o Sigarra apresenta não funciona correctamente, porque à medida que o caminho se torna mais longo, o sistema deixa de conseguir apresentar informação correcta. Ora, isto consegue desorientar ainda mais o utilizador.
Para além de tudo isto, a página inicial, que deveria estar muitíssimo bem estruturada para fomentar no utilizador a vontade de explorar o site, está um verdadeiro caos e consegue por isso desmotivar o utilizador.
Algo que o Sigarra consegue cumprir é o facto de manter sempre presente o menu principal, o que é bastante útil no caso do utilizador se enganar em alguma opção. No entanto, apesar disso ser algo favorável, não consegue suprimir a necessidade do utilizador refazer um caminho enorme até ter oportunidade de corrigir o seu erro (entretanto poder-se-á ter já esquecido do passo errado que deu e voltar a repeti-lo!). Isto remete para um dos parâmetros referidos por Jacob Nielson no seu modelo de avaliação heurística e cotado por Darryn Lavery, Gilbert Cockton e Malcolm Atkinson no seu projecto “Extending HCI Design Principles and Task Analysis for Software and Data Visualisation”: a flexibilidade e eficiência do uso. Este parâmetro refere que métodos ineficientes de apresentar as tarefas possíveis podem reduzir a eficiência e causar frustração. Ora, a meu ver, é exactamente isso que se verifica no sistema Sigarra.
Também a norma ISO 9241 consegue corroborar a fraca usabilidade do sistema Sigarra. De facto, esta norma prende-se com a performance e satisfação do utilizador. De acordo com esta norma, a usabilidade é algo muito importante a ter em conta no design dos produtos porque está relacionada com a capacidade que os produtos têm de funcionar eficientemente num determinado contexto de utilização e gerar satisfação no utilizador. Para medir o nível de usabilidade do produto atingido, será então necessário medir a performance e satisfação dos utilizadores do produto.
Sendo assim, no meu ponto de vista enquanto utilizadora, é mais do que evidente que a estruturação da informação no Sigarra é inapropriada para uma boa performance do utilizador, já que o utilizador consegue mais facilmente perder-se no site do que encontrar a informação pretendida, o que resulta na sua insatisfação.
Por tudo isto, para concluir, poder-se-á afirmar que o Sistema Sigarra consegue subverter vários princípios de usabilidade com a sua estrutura caótica, o que reflecte, a meu ver, um desrespeito pelas necessidades e vontades do utilizador, ainda que inconscientemente. Devido a esse desrespeito pelas necessidades do utilizador, torna-se mais do que evidente a sua inconformidade com a norma ISO 9241, que realça a satisfação do utilizador como meta a atingir, através de uma “ausência de desconforto e presença de atitudes positivas para com o uso de um produto”.
Como já disse, este Sistema presta um péssimo exemplo em termos de usabilidade, mas mais grave é o facto de ser esse o exemplo dado por uma instituição de ensino Superior como a Universidade do Porto.
2 comments:
Correndo o risco de me repetir, tenho mesmo que dizer que concordo com a Sandrinha, na medida que a tua parte teórica do artigo é demasiado longa. Todos nós tivemos de nos debruçar na mesma teoria, pelo que talvez te tenhas alongado demasiado na explicitação dos diferentes pontos abordados...
De resto, acho que focas muito bem os (muitos) aspectos negativos do Sigarra. :p
Beijito e inté logo
Juliana,
penso que o teu artigo está bem estruturado e faz uma boa análise do sigarra.
A referência à questão da antecipação das necessidades parece-me importante e vai um pouco de encontro à importância da personalização (que parece estar a causar problemas no meu blog :), uma vez que penso que o sigarra só teria a ganhar se melhorasse a sua capacidade de antecipação das necessidades do utilizador.
Bom trabalho ****
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